O embate entre a pressão pela mitigação das emissões de gases do efeito estufa, de um lado, e o direito dos povos ao desenvolvimento, de outro, está na base de propostas de ações políticas e econômicas conflitantes sobre o problema. E a consequência é o impasse recorrente nas conferências climáticas, que se aprofunda desde os encontros de Copenhague e Cancun.
Há recomendações ambientalistas que apregoam, desde a década de 1960, a necessidade de contenção do desenvolvimento econômico, pois a Terra teria chegado ao limite da exploração dos recursos naturais. É um argumento repetido desde as reuniões do Clube de Roma (1968) e que mal disfarça a pretensão dos países industrializados de segurar o desenvolvimento dos demais e criar as condições para a manutenção da distribuição de poder político e econômico da qual eles se beneficiam.
Do ponto de vista econômico esta pretensão se traduziu no mercado de carbono criado no contexto do Protocolo de Kyoto – aprovado em 1997 e em vigor desde 2005, pelo qual os quase 40 países desenvolvidos signatários obrigam-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para os níveis de 1990. O protocolo expira em outubro de 2012 e Durban não deixa esperanças sobre sua renovação.
O mercado de carbono permite que os países industrializados “comprem” direitos de emissão dos países pobres. Isto é, que troquem a obrigação de cortar as emissões em suas próprias indústrias pela renúncia dos países pobres que, a troco do dinheiro recebido, abrem mão de seu desenvolvimento industrial e assim deixam de emitir.
Nos últimos anos este mercado se consolidou e passou a girar bilhões de dólares nas bolsas de carbono, tornando-se um investimento financeiro rentável e recomendado por organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Novos desdobramentos levaram à proposta, feita em Copenhague e consolidada em Cancun, de criação do Fundo Verde, que prevê investimento de US$ 100 bilhões por ano, até 2020, dos países industrializados nos países emergentes; também está na mesa de negociação o chamado Redd, um contestado mecanismo proposto para preservar as florestas e reduzir as emissões decorrentes do desflorestamento.
São propostas controversas que enfrentam forte resistência nos países que, supostamente, se beneficiariam com elas porque, comprando direitos de emissão e assumindo o controle de extensas áreas florestais nos países emergentes, os investidores do Fundo Verde passariam a controlar também a soberania nacional sobre os territórios “beneficiados”, inclusive com direitos sobre a vida e os costumes das populações nativas das florestas.
A negociação climática é agravada pela crise mundial, que coloca os países ricos face a graves problemas econômicos que limitam sua capacidade de investimento e comprometem o cumprimento de compromissos financeiros assumidos. E que pode explicar porque o Fundo Verde, surgido em 2009, até hoje não viu um centavo do dinheiro prometido solenemente nos encontros ambientais da ONU.
Esta questão econômica liga-se ao fracasso da pretensão de limitar o desenvolvimento dos emergentes. Crescimento econômico que, sendo cada vez mais uma realidade concreta, começa a alterar a distribuição de poder político e econômico no mundo.
Fazem sentido, assim, as decisões já anunciadas de países como Rússia, Canadá, Austrália e Japão, de abandonar os compromissos assumidos no contexto do Protocolo de Kyoto, mesmo a custo de aprofundar a fragilidade desse acordo internacional que nunca contou com a adesão do maior emissor de gases do efeito estufa, os EUA.
Na outra ponta, países em desenvolvimento como China, Índia, Brasil e demais emergentes não abrem mão do princípio das responsabilidades comuns mas desiguais, que implica uma maior contribuição dos países industrializados para limitar a emissão de gases do efeito estufa, da qual são campeões há pelo menos duzentos anos (desde a Revolução Industrial do século 18).
Em nome daquele princípio os países emergentes não aceitam metas obrigatórias de corte nas emissões que podem comprometer e limitar seu próprio desenvolvimento, embora adotem políticas de mitigação voluntárias.
Os países ricos nunca tiveram boa vontade com aquele princípio que, agora, recusam, como a chanceler alemã Ângela Merkel demonstrou claramente ao exigir responsabilidades iguais para todos, impondo aos emergentes as mesmas metas obrigatórias de corte das emissões que o protocolo de Kyoto determina aos países de industrialização mais antiga. E citou explicitamente Brasil, Índia e China. Esta opinião é partilhada pela Comissária Europeia para Ação Climática, Connie Hedegaard, que também exige, para aceitar a renovação do Protocolo de Kyoto, que o bloco emergente aceite metas obrigatórias de corte.
Se a luta contra as agressões à natureza tem um caráter anticapitalista por exigir condições de produção e consumo menos predatórias, a disputa em torno da mudança climática tem também um caráter anti-imperialista. Ela opõe o direito ao desenvolvimento das nações do mundo à pretensão dos países ricos em manter tudo como está, sem mexer em suas próprias emissões de gases nocivos nem na maneira capitalista como a produção está organizada, nos países industrializados e também nas demais nações. É a disputa entre as potências capitalistas que se recusam a fazer qualquer concessão e o anseio dos povos pelo desenvolvimento. Este é o braço de ferro que pode ter consequências letais para as conferências climáticas e ambientais previstas para o futuro.
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