quarta-feira, 27 de maio de 2015

SEMPRE É POSSÍVEL UM RECOMEÇO

Leonardo Boff – 24/05/2015 
“Antes de qualquer iniciativa nova, o PT, que hegemonizou o processo novo na política brasileira, deve fazer o que até agora nunca fez: uma autocrítica pública e humilde dos erros cometidos, de não ter sabido usar do poder realmente como instrumento de mudanças”
Nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso.
O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo melhor. Dizem cosmólogos que a vida surgiu do caos. Este organizou internamente os elementos de alta complexidade que desta complexidade fez eclodir a vida na Terra e mais tarde a nossa vida consciente (Prigogine, Swimme, Morin e outros).
A atual crise política e o caos social obedecem à lógica descrita acima. Oferecem uma oportunidade de refundação da ordem social a partir do caos social e dos elementos depurados da crise. Como no Brasil fazemos tudo pela metade e não concluimos quase nenhum projeto(independência, abolição da escravatura, a república, a democracia representativa, a nova democracia pós ditadura militar, a anistia) há o risco de que percamos novamente a oportunidade atual de fazermos algo realmente profundo e cabal ou continuaremos com a costumeira ilusão de que colocando esparadrapos curamos a ferida que gangrena a vida social já por tanto tempo.
Antes de qualquer iniciativa nova, o PT que hegemonizou o processo novo na política brasileira, deve fazer o que até agora nunca fez: uma auto-crítica pública e humilde dos erros cometidos, de não ter sabido usar do poder realmente como instrumento de mudanças e não de vantagens corporativas e de ter perdido a conexão orgânica com os movimento sociais.
Precisa fazer o seu mea-culpa porque alguns com poder traíram milhões de filiados e por ter maculado e rasgado sua principal bandeira: a moralidade pública e a transparência em tudo o que faria. Aquele pequeno punhado de corruptos e de ladrões do dinheiro público, dentro da Petrobrás, que atraiçoaram os mais de um milhão de filiados do PT e envergonharam a nação deverão ser banidos da memória.
Cito frei Betto que esteve dentro do poder central e que ideou a Fome Zero. Ao perceber os desvios, deixou o governo comentando:
”O PT em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma da estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política. Havia alternativa para o PT? Sim,
  • se não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso;
  • se tivesse promovido a reforma agrária, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado interno;
  • se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty, priorizando a produção e não a especulação;
  • se houvesse enfim assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimento ssociais, como fez Evo Morales na Bolívia…
Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimento sociais e as propostas origináris do PT – as forças conservadoas voltarão a ocupar o Planalto”.

E agora concluo eu:
temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003 quando ocorreu não a troca do poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro.
O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes que tanta confiança e esperança colocaram nele.
E muitos, como eu e Frei Betto que nunca nos inscrevemos no PT (preferimos o todo e não a parte que é o partido) mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação,sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim. E foi pela imoralidade, pela falta de amor ao povo e pela ausência de conexão orgânica com os movimento sociais.
Nem por isso desistiremos.
No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto
  • que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal,
  • que faça a sociedade menos malvada
  • e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo.
A vida nos ensina e as Escrituras cristãs não se cansam de repetir:
  • quem caiu sempre pode se levantar;
  • quem pecou sempre pode se redimir depois de clara conversão para o primeiro amor.
  • Até se diz que quem estava morto, pode ser resusscitado, como Lázaro e o jovem de Naim.
O PT tem que recomeçar lá em baixo, humilde e aberto a aprender dos erros e da sabedoria do povo trabalhador.
Valem ainda os ideais primeiros:
  • inclusão social de milhões de marginalizados,
  • desenvolvimento social com distribuição de renda e redistribuição da riqueza nacional,
  • cuidado para com a natureza com seus bens e serviços ameçados
  • e a sempre ansiada justiça social.
Mas tudo isso não terá sustentabilidade se não vier acompanhado por uma reforma política, tributária e pesado investimento na agroecologia, na impossibilidade atual de fazer a reforma agrária.
Para que isso ocorra, precisamos acreditar na justeza desta causa; fortalecer-se face à batalha que será travada contra o PT por aqueles que vivem batendo panelas cheias porque nunca querem mudanças por medo de perder benefícios; mas jamais usar as armas que eles usam – mentiras e distorções – mas usar aquelas que eles não podem usar: a verdade, a transparência, a humildade de reconhecer os erros e a vontade de melhorar dia a dia, de querer um Brasil soberano e um povo feliz porque justo, não mais destinado a penar nas perifierias existenciais mas a brilhar.
Vale o que o Dom Quixote sentenciou: “não devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.

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